Tudo indica que a inteligência artificial (IA) deve vir a ter um impacto revolucionário na nossa forma de viver e trabalhar. A série IA para Empresas busca dar aos líderes empresariais e de TI as ferramentas e o conhecimento necessários para tomar melhores decisões envolvendo IA.
O autor de ficção científica Arthur C. Clarke ficou conhecido pela frase "Toda tecnologia suficientemente avançada pode ser confundida com mágica" (em tradução livre), e poucos avanços conseguiram incorporar essa ideia melhor que o lançamento recente de ferramentas de IA generativas como Dall-E e ChatGPT. Além da capacidade de "criar" trabalho original, aparentemente do nada, existe a expectativa de que as ferramentas com IA derrubem setores inteiros em um futuro não tão distante. Por isso, esse é um tema que nenhuma empresa pode simplesmente ignorar.
Ainda assim, o debate sobre IA pode vir carregado de uma hiperempolgação, como no caso da última palavrinha mágica do momento (adeus, metaverso, nem tivemos tempo de conhecer você direito), o que dificulta saber o que realmente é revolucionário e o que é apenas trivial.
Neste artigo, tentamos desmistificar a IA e criar uma base sólida de conhecimento da tecnologia para ajudar líderes empresariais a separar o joio do trigo. Para fazer isso, convidamos Michael Littman, autor e professor de ciência da computação na Brown University e diretor do Departamento de Sistemas de Inteligência e Informação da National Science Foundation. Seu livro, Code to Joy: Why Everyone Should Learn a Little Programming (Programar por diversão: por que todo mundo deveria saber um pouco de programação, em tradução livre), será publicado ainda neste inverno.
Littman fez uma afirmação marcante sobre a IA. Segundo ele, é uma ferramenta incrível, mas uma solução frágil para problemas empresariais. "Seu trabalho não vai ficar tão mais fácil. Você só vai conseguir fazer mais por estar usando essa ferramenta incrível. Acho que as pessoas não têm essa ideia. Elas pensam que as máquinas são superinteligentes e que basta colocá-las para trabalhar que tudo está resolvido. Mas, até o momento, nada indica que esse é o caso."
As diversas camadas da IA
Para entender a inteligência artificial, um dos maiores desafios logo de cara está no próprio nome. "Inteligência" pode ser um termo um pouco forte demais, já que essa é uma característica associada principalmente à consciência e a seres humanos. Por outro lado, qualquer estudioso de história ou reality show pode confirmar o fato de que "vida inteligente" nem sempre significa resultados inteligentes, por isso é sempre bom entender o significado de alguns termos importantes associados à IA:
- Inteligência: com relação a IA, a Universidade de Stanford define inteligência como "a capacidade de aprender e executar técnicas adequadas para resolver problemas e atingir metas de forma apropriada ao contexto de um mundo incerto e em constante mudança". Portanto, é a capacidade de aprender e se adaptar a condições de mudança que separa sistemas inteligentes das máquinas, inclusive das mais complexas.
- Inteligência artificial (IA): cunhado na década de 50, o termo "inteligência artificial" é descrito pela IBM como "um ramo que combina ciência computacional e conjuntos de dados robustos para promover a resolução de problemas". Embora a IA muitas vezes seja retratada como uma tecnologia singular e monolítica, uma melhor definição seria uma ampla área do conhecimento que envolve subconjuntos individuais, como visão computacional ou processamento de linguagem natural, que tem como foco sintetizar um componente do quebra-cabeças da inteligência.
- Aprendizado de máquina (ML): o aprendizado de máquina, ou machine learning, é um ramo da IA que tem como foco o uso de dados e experiências para que programas "aprendam" e evoluam de forma autônoma com base nos resultados passados. O aprendizado de máquina, que contém o subgrupo "aprendizado profundo", ou deep learning, usa disciplinas como ciência da computação, estatística, psicologia e neurociência para criar uma série de modelos de aprendizado que são utilizados em diversos subgêneros da IA.
- IA generativa: as ferramentas de IA generativas, como o ChatGPT e o Midjourney, hoje responsáveis pela popularização da IA, usam modelos de aprendizado profundo e enormes quantidades de dados de treinamento para gerar conteúdo com base nas instruções dadas pelo usuário.
A complexidade da IA
Além da confusão com o termo em si, os recentes avanços nas tecnologias de IA generativa criaram uma "zona cinzenta" entre o que é produção computacional e o que é expressão criativa. O que realmente acontece por trás dos panos para uma ferramenta de IA produzir aquela imagem da batalha de breakdance entre o Pé Grande e Abraham Lincoln?
A resposta detalhada dessa pergunta pode ser um pouco complexa, mas ninguém precisa de formação técnica avançada para entender os benefícios que a IA pode trazer para as organizações. Mesmo que você use a IA principalmente como usuário final ou pontualmente, como a maioria dos usuários, ainda é importante entender um pouco dos elementos básicos que fazem parte da criação de modelos de IA, além das suas possíveis implicações para você e sua empresa:
- Muitos, muitos dados mesmo: como é de se esperar, para se criar um modelo de IA é preciso ter uma enormidade de dados, mas a origem dos dados e sua forma de uso podem ter as mais diversas consequências, como problemas de direito autoral, perpetuação dos mesmos vieses — que prejudicam a sociedade há muito tempo — e muitos outros. As ferramentas com IA que você implementa na sua organização podem ter acesso às informações mais sensíveis ou confidenciais da sua empresa e dos seus clientes; por isso, procure garantir a proteção desses dados ao avaliar as opções.
- Poder computacional: para fazer previsões precisas, as ferramentas com IA precisam ser treinadas com uma quantidade imensa de exemplos. A inteligência artificial, assim como a maioria das tecnologias modernas, se tornou possível por conta do crescimento exponencial do poder de processamento e da eficiência ao longo das últimas décadas. No entanto, para algumas aplicações comerciais, a IA pode trazer um alto custo, principalmente em escala. O impacto ambiental da quantidade de poder computacional que essas ferramentas usam também é um aspecto importante.
- Reconhecimento de padrões: muito do trabalho das IAs é inspirado na capacidade humana de reconhecer padrões. Os computadores podem absorver mais dados que um humano em toda a sua vida, mas a menos que seja feita uma programação bastante cuidadosa, generalizar esses padrões com a facilidade dos humanos é algo extremamente difícil. Na realidade, alguns subgrupos da IA, como reconhecimento de imagens e processamento de linguagem natural, ilustram que até as ações humanas mais básicas costumam envolver atos de reconhecimento de padrão surpreendentemente complexos. As ferramentas de IA podem referenciar enormes quantidades de dados para identificar padrões e fazer conexões que trazem ideias importantes e inovações sobre a forma da sua empresa trabalhar. Porém, saiba que, como em qualquer análise estatística, correlação não é sinônimo de causalidade, por isso, não presuma que toda correlação que você encontrar é relevante.
- Previsões: ter uma ferramenta preditiva excelente dá a você a capacidade de otimizar um sistema e fazê-lo considerar variáveis que você talvez nem soubesse que existiam antes. Do setor de saúde ao de hotelaria, a análise preditiva vem sendo usada para analisar dados e prever resultados futuros, ajudando as empresas a criar estratégias para praticamente qualquer eventualidade. Porém, esses dados devem ser vistos como mais uma fonte de informação, não como um "guru", para a tomada de decisões importantes na sua empresa.
- Otimização: as ferramentas com IA usam uma série de modelos de aprendizado de máquina para melhorar a qualidade das suas previsões com o tempo, com base nas experiências e em dados adicionais. A capacidade de se adaptar e melhorar pode produzir benefícios enormes, embora o aprendizado de máquina não seja a melhor ferramenta para toda tarefa, por isso, tenha consciência na hora de implementar soluções de IA e na forma de interpretar e comunicar os resultados.
- Guardrails: criar um modelo de IA que possa gerar qualquer imagem imaginável não é uma tarefa simples, mas o maior desafio pode ser definir que imagens os modelos não podem criar em hipótese alguma, mesmo que instruído pelo usuário, por motivos morais, éticos ou jurídicos. Para garantir que as ferramentas de IA sejam apropriadas para os usuários finais, é preciso contar com uma quantidade impressionante de supervisão humana, e já existe um coro se formando entre juristas e especialistas no setor de que é preciso ter cautela com os riscos de IAs não verificadas. Por isso, ao implementar ferramentas de IA na sua organização, não negligencie a necessidade de supervisão humana contínua.
Da teoria à prática
Dado o papel dominante que a IA deve ter no futuro das empresas, entender esses pilares pode ajudar os líderes empresariais a tomar decisões mais inteligentes sobre a inteligência artificial. Littman afirma que é importante não tentar "fazer tudo sozinho" usando esses sistemas. "Não invente moda, porque estamos começando a coletar informações reais sobre onde estão os benefícios efetivos dessas ferramentas." Littman sugere um lugar prático para começar: o AI Risk Management Framework (estrutura de gestão de risco de IA), ou AI RMF, do National Institute for Standards and Technology (Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, em tradução livre).
Em breve: novos artigos da série IA para Empresas da GoTo que se aprofundarão nessas noções básicas da IA e ajudarão líderes empresariais a entender como se manter um passo à frente.